30 novembro 2006

As palavras (Eugénio de Andrade)

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

08 novembro 2006

Coisas da Carlota... Ainda sobre a cor da pele...


A escolha de nomes é coisa dificil. Muitos surgiram, uns por gosto outros por brincadeira, antes de finalmente optarem por Martim.

De entre todos os que surgiram Obikwelu foi de facto o que gerou maior controvérsia e confusão na cabeça da Carlota...

E passados 10 meses da chegada do Martim eis que a questão surge de novo: Será que o batizaram mal?!?!

Obikwelu não mamã!
Esse nome eu destesto!

E de resto,
E devo ser eu a escolher, porque sou eu a irmã!

Aos primeiros passos do Martim, diz então a mamã à Carlota:
Deviamos ter-lhe chamado Obikwelu!
Para além de ser janota,
Já viste como quase que corre?!?
Quase que nos foge!
Ainda consegues vê-lo?


Mas a Carlota como sempre, para tudo arranja resposta!
Para além do nome não gostar,
Mais um problema a mamã lhe teria vindo arranjar:
E eis que a cor da pele lhe veio recordar.

Ainda bem que não lhe chamámos Obikwelu mamã... senão tinha nascido preto!

Coisas da Carlota... A Cor da Pele...

É por vezes dificil explicar algumas coisas aos mais pequenos. E de facto há coisas de que nunca se esquecem. Comentários aqui e ali, inofensivos na sua maioria, mas de que se apropriam de forma inesperadamente engraçada.

Igualmente engraçadas, mesmo sem qualquer tipo de comentário que as subjazam, são as interpretações de factos pelos mais pequenos.

Conseguem deveras deixar-nos... de tantas formas, mas a que de mais gosto: deliciados. E a propósito de cor de pele...

Dizia à Carlota a mamã,
(Ainda em fase de barriga tamanha):
Com tanto sol, não vai sair à irmã!
Vais ver Carlota que ainda vem de cor castanha!


Não Fosse a nossa Carlota menina inteligente e prespicaz,
A seu tempo, lá surge o comentário:
Vê lá que sorte mamã! Afinal não veio preto o rapaz!

04 novembro 2006

Persistência...


PERSISTÊNCIA: palavra de que sempre gostei.

Em relação a quê? Também já me perguntei... Muito provavelmente em relação a muito que não devia... Mas pronto isso são outros 500s!

Mas de uma coisa não me canso... De te tentar convencer de que LER É DIVERTIDO!

Como melhor prenda não há (digo eu!), e para que não digas que os livros são coisas chatas, achei por bem procurar um que reunisse algumas das coisas que mais gosto de encontrar num livro:

  • informação: e esta pode ser preciosa...
  • sentido de humor: mesmo que a informação nele contida não seja de grande relevância... (não tenho essa presunção) é por certo suficiente para soltar uma boa gargalhada!

Será que é desta que te consigo converter à leitura?

Um enorme beijo de parabéns!

03 novembro 2006

Desalento (Vinicius de Moraes - 1970)


Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim


Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar


Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos

Quando Eu Era Pequenino... (Adolfo Simões Muller)


Quando eu era pequenino,
gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.

Havia então lá em casa
uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
- e que graça que ela tinha!

Lendas de reis e de fadas,
inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!

“Era uma vez...” As histórias
começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.

Lembro-me ainda tão bem!
Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:

“Era uma vez...” E depois,
olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios”.

“Era uma vez...” E, por fim,
a voz da Sérgia parava...
E assim como eu te contei
era como ela contava.

Ai! que saudade, que pena,
que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - “Era uma vez...”

Sonho... (Welington)


O bom da infância é o sonho de poder sonhar, pegar um livrinho cheio de aventuras e viajar com os personagens pelo universo encantado da imaginação.

As Aventuras de Pinóquio: História de um Boneco

Redescobri Pinóquio...

No original, um personagem bastante distante daquele a que nos habituou a versão Cor-de-Rosa da Disney, mas nem por isso menos divertido.

Sabiam que Pinóquio não ganha vida por encantamento da fada?

Sabiam que o bloco de madeira a partir do qual foi feito, foi oferecido a Gepeto por um marceneiro seu amigo exactamente porque era estranho, porque gemia, chorava e ria enquanto o dito do marceneiro tentava fazer dele uma peça de mobiliário?

Uma boa leitura para pequenos e graúdos. Uma boa leitura para se fazer aos/com os mais pequenos no ritual do "ler uma história antes de ir para a cama", até porque a história é originalmente escrita em "fascículos".

Este albúm reúne a universal obra de Carlo Collodi, numa nova tradução a partir das suas mais recentes edições críticas, e a série de pinturas que a consagrada artista plástica Paula Rego dedicou ao personagem Pinóquio. Este volume conta igualmente com um posfácio de Italo Calvino e textos da escritora italiana Romana Petri sobre as pinturas de Paula Rego.

Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois (Artur da Távola)

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. É o mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediando a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjetivo para o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo. Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por. Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar. Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidade vividas.

Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais a expressão do outro sob a forma ampliada do eu individual aprimorado.

02 novembro 2006

30 outubro 2006

À minha miúda preferida... Parabéns!



À minha miúda preferida
Não podia eu deixar de escrever.
Não fosse ficar ferida,
Achando que dela me podia esquecer.

Esquecimento é palavra que não consta no meu dicionário,
Especialmente quando de "filha" se trata...
Sim porque embora emprestada,
Que tal não pode ser, nem que venha dizer o vigário!
Porque esta vale mais que ouro ou prata!

Não que a coisa tenha sido logo de feição!
Não foi de todo amor à primeira vista!
Se tomássemos à letra: longe da vista, longe do coração...
Não teria eu passado na "revista".

Sim! Porque a menina ,
Apesar de muito bom coração ter,
Desde muito pequenina,
Sabe muito bem o quer!

E se a coisa se repetisse
Tal como no primeiro encontro...
Muita resmunguice,
Teríamos de acrescentar ao nosso conto!

Mas segundo parece,
As lágrimas por aquele dia se ficaram,
Dando lugar ao que desde então acontece...
Mimo em todas as suas conjugações:
Mimarão, mimam, mimaram!

Parabéns Carolina

Laços (Tiago Bettencourt)


Andamos em voltas rectas
Na mesma esfera
Onde ao menos nos vemos
Porque o fumo passou

A chuva no chão revela
Os olhos por trás
Há que levar o restolho
Do que o tempo queimou

Tens fios demais
A prender-te as cordas
Mas podes vir amanhã
Acreditar no mesmo deus

Tens riscos demais
A estragar-me o quadro.
Se queres vir amanhã
Acreditar no mesmo deus

Devolve-me os laços, meu amor!
Devolve-me os laços...

Andamos em voltas rectas
Na mesma esfera
Mas podes vir amanhã
Se queres vir amanhã
Podes vir amanhã

Tens riscos demais
A estragar-me a pedra.
Mas se vires sem corpo
À procura de luz

Devolve-me os laços, meu amor!

Que cheiro...

Por brincadeira, ou nem por isso, dizia eu outro dia,
Que nos cabe a nós escrever o teu primeiro diário.
Tarefa que, para não variar, cabe à tia,
Para evitar que nos vamos esquecendo,
De tudo o que vai acontecendo,
Do mais banal ao mais extraordinário.

Pois bem,
Apesar de aos "maus cheiros" já estarmos habituados
(Entre "" porque, como diz a avó, os teus são sempre sagrados)
Este não foi de todo dos nossos agrados!

Oh tia, a culpa não é minha!
A mamã ontem deu-me o meu primeiro peixe!
E apesar de deliciosa a minha papinha,
Não tem cheiro que se deseje!

Pois é Martuxa,
Mas há hábitos que a menina tem de perder!
A boca é para pôr a chucha,
E não para os dedos andar sempre a comer!

Porque depois vem o resto...
Aquelas coisas que todos achamos deliciosas
Muitos beijos, muitas festas... muito afecto
Que só tu nos sabes dar... minha linda preciosa!

Mas vem também o sono, e com ele segundo banho...
Não aquele que te deixa cheirosa...
Aquele que nos faz dizer: Que cheiro! Que estranho!

27 outubro 2006

Escuridão (vai por mim) - Jorge Palma


Não estou com grande disposição
P'ra outra enorme discussão
Tu dizes que agora é de vez
Fico a pensar nos porquês
Nós ambos temos opiniões
Fraquezas nos corações
As lágrimas cheias de sal
Não lavam o nosso mal

Eu só quero ver-te rir feliz
Dar cambalhotas no lençol
Mas torces o nariz e lá se vai o sol

Dizes vermelho, respondo azul
Se vou para norte, vais para sul
Mas tenho de te convencer
Que, às vezes, também posso...
Ter razão!
Também mereço ter razão
Vai por mim
Sou capaz de te mostrar a luz
E depois regressamos os dois
À escuridão

Se eu telefono, estás a falar
Ou pensas que é p'ra resmungar
Mas quando queres saber de mim
Transformas-te em querubim
Quero ir para a cama e tu queres sair
Se quero beijos, queres dormir
Se te apetece conversar
Eu estou numa de meditar

Tu só queres ver-me rir feliz
Dar cambalhotas no lençol
Mas torço o meu nariz e lá se vai o sol

Dizes que sou chato e rezingão
Se digo sim, tu dizes não
Como é que te vou convencer
Que, às vezes, também podes...
Ter razão!
Também mereces ter razão
Vai por mim
És capaz de me mostrar a luz
E depois regressamos os dois
À escuridão

Atenção!
Os dois podemos ter razão
Vai por mim
Há momentos em que se faz luz
E depois regressamos os dois
À escuridão.

Precisa-se de matéria prima para construir um País (Eduardo Prado Coelho)

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo.

Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos ... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. Onde nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser "compradas", sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar-lhe o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.

Como "matéria prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos, essa "CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA" congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte...

Fico triste. Porque, ainda que Sócrates fosse embora hoje mesmo, o próximo que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, e nem serve Sócrates, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados.... igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...

Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias.

Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a nos acontecer: desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.

E você, o que pensa?.... MEDITE!



in O Público

26 outubro 2006

Nosso Vocabulário (Millôr Fernandes)


Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem. O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência.

Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por ílaba...Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo.
Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poderde definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".

Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo?

Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se.

Já não se apaixonava...

Já não se apaixonava com a facilidade dos vinte anos e começava a resignar-se à ideia da solidão, convencido de que seria muito difícil encontrar a mulher ideal, apesar de nunca se ter perguntado se reuniria os requisitos exigidos por ela, no caso improvável desse ser perfeito surgir no seu caminho. teve alguns amores que acabaram frustrados, algumas amigas leais em diversas cidades que lhe davam as boas-vindas com a maior ternura se por lá passasse e conquistas suficientes para alimentar o seu amor próprio, mas já não se entusiasmava com relações passageiras e a partir do primeiro beijo, começava a despedir-se.


Isabel Allende In Eva Luna

25 outubro 2006

Saudades (Mia Couto)

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mimos animais que atormentam o meu sono

Raiz de Orvalho (Mia Couto)

Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram

Quem me dera acontecer
essa morte
de que não se morre
e para um outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio destino
soltei ânsia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada

De quando em quando
me perco
na procura a raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco as mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens

Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância

Amam-me demasiado
as cosias de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno

Era uma vez um sonho...


Porque alguém me disse um dia que de sonhos é feita a vida...

Foi um dia torbulento
Aquele em decidiste nascer.
Ficámos com os corações nas mãos,
Até ao momento de te conhecer.

E se já te conheciamos bem,
E o teu rosto todos conseguiamos delinear,
Vieste mostrar-nos, e bem,
Que nínguem, na verdade, o tinha conseguido concretizar.

Linda como a mãe...
Foi o que primeiro se pensou.
Para mais tarde concluir que, também,
Muito ao pai puxou.

Muito mudaste desde então.
Mas é com um crescente encanto,
Que a cada econtro,
Nos enches de emoção.

24 outubro 2006

Os Infelizes Cálculos da Felicidade (Mia Couto)

O homem da história é chamado Julio Novesfora. Noutras falas o mestre Novesfora. Homem bastante matemático, vivendo na quantidade exacta, morando sempre no acertado lugar. O mundo, para ele, estava posto em equação de infinito grau. Qualquer situação lhe algebrava o pensamento. Integrais, derivadas, matrizes para tudo existia a devida fórmula. A maior parte das vezes mesmo ele nem incomodava os neurónios:

- É conta que se faz sem cabeça.

Doseava o coração em aplicações regradas, reduzida a paixão ao seu equivalente numérico. Amores, mulheres, filhos tudo isso era hipótese nula. O sentimento, dizia ele, não tem logaritmo. Por isso, nem se justifica a sua equação. Desde menino se abstivera de afectos. Do ponto de vista da algebra, dizia, a ternura é um absurdo. Como o zero negativo. Vocês vejam, dizia ele aos alunos a erva não se enerva, mesmo sabendo-se acabada em ruminagem de boi. E a cobra morde sem ódio. É só o justo praticar da dentadura injectavel dela. Na natureza não se concebe sentimento. Assim, a vida prosseguia e Julio Novesfora era nela um aguarda-factos. Certa vez, porém, o mestre se apaixonou por uma aluna, menina de incorrecta idade, toda a gente advertia essa menina é mais que nova, não dá para si.

- Faça as contas mestre.

Mas o mestre já perdera o calculo. Desvalessem os razoáveis conselhos. Ainda mais grave ele perdia o matemático tino. Já nem sabia o abecedário dos números. Seu pensamento perdia as limpezas da lógica. Dizia coisas sem pés. Parecia, naquele caso, se confirmar o lema quanto mais sexo menos nexo. Agora, a razão vinha tarde de mais. O mestre já tinha traçado a hipotenusa à menina. Em folgas e folguedos, Julio Novesfora se afastava dos rigores da geometria. O oito deitado é um infinito. E, assim, o professor ataratonto, relembrava:

- A paixão é o mundo a dividir por zero.

Não questionassem era aquela a sua paixão. Aquilo era um amor idimensional, desses para os quais nem tanto há mar, nem tanto há guerra. Chamaram um seu tio, único familiar que parecia merecer-lhe as autoritárias confianças. O tio lhe aplicou muita sabedoria, doutrinas de por facto e roubar argumento. Mas o matemático resistia:

- Se reparar, tio, é a primeira vez que estou a viver.

Corolariamente, é natural que cometa erros.

- Mas, sobrinho, você sempre foi de calculo. Faça agora contas à sua vida.

- Essa conta tio, não se faz de cabeça. Faz-se de coração.

O professor demonstrava seu axioma, a irresoluvel paixão pela desidosa menina. Tinha experimentado a fruta nessa altura que o Verão ainda está trabalhando nos açucares da polpa. E de tão regalado, arregalava os olhos. Estava com a cabeça lotada daquela arrebitada menina. O tio ainda desfilou avisos não vislumbrava ele o perigo de um desfecho desilusionista? Não sabia ele que toda a mulher saborosa é dissaborosa? Que o amor é falso como um tecto. Cautela, sobrinho, olho por olho, dente prudente. Novesfora, porém, se renitentava, inóxidável. E o tio foi dali para a sua vida. Os namoros prosseguiram. O mestre levava a menina para a margem do mar onde os coqueiros se vergavam, rumorosos, dando um fingimento de frescura.

- Para bem amar não há como ao pé do mar, ditava ele.

A menina só respondia coisas simples, singelices. Que ela gostava do Verão.

- Do Inverno gosto é para chorar. As lágrimas, no frio, me saem grossas, cheiinhas de água.

A menina falava e o mestre Novesfora ia passeando as mãos pelo corpo dela, mais aplicado que cego lendo braille.

- Vai falando, não pare ­ pedia ele enquanto divertia os dedos pelas secretas humidades da menina. Gostava dessa fingida distracção dela, seus actos lhe pareciam menos pecaminosos. Os transeuntes passavam, deitando culpas no velho professor. Aquilo é idade para nenhumas-vergonhas? Outros faziam graça:

- Sexagenário ou sexogenário?

O mestre se desimportava. Recolhia a lição do embondeiro que é grande mas não dá sombra nenhuma. Vontade de festejar deve eclodir antes de acabar o baile. Tanto tempo decorrera em sua vida e tão pouco tempo tivera para viver. Tudo estando ao alcance da felicidade porque motivo se usufruem tão poucas alegrias? Mas o sapo não sonha com charco se alaga nele. E agora que ele tinha a mão na moça é que iria parar? Uma noite, estando ela em seu leito, estranhos receios invadiram o professor essa menina vai fugir, desaparecida como o arco-íris nas traeiras da chuva. Afinal, os outros bem tinham razão chega sempre o momento em que o amendoim se separa da casca. Novesfora nem chegou de entrar no sono, tal lhe doeram as suspeitas do desfecho. Passaram-se os dias. Até que, certa vez, sob a sombra de um coqueiro, se escutaram os acordes de um lamentochão. O professor carpia as já previsiveis mágoas? Foram a ver, munidos de consolos. Encontraram não o professor mas a menina derramada em pranto, mais triste que cego sentado em miradouro. Se aproximaram, lhe tocaram o ombro. O que passara, então? Onde estava o mestre?

- Ele foi, partiu com outra.

Resposta espantável afinal, o professor é que se fora, no embora, sem remédio. E partira como? Se ainda ontem ele aplicava a ventosa naquele lugar? A ditosa namorada respondeu que ele se fora com outra, extranumerária. E que esta seria ainda muito mais nova, estreável como uma manhã de Domingo. Provado o doce do fruto do verde se quer é o sabor da flor. Enquanto a lagrimosa encharcava réstias de palavras os presentes se foram afastando. Se descuidavam do caso, deixando a menina sob a sombra do coqueiro, solitária e sózinha, no cenário de sua imprevista tristeza. Era Inverno, estação preferida por suas lágrimas.

Poesia (Carlos Drummond de Andrade)


Gastei uma hora pensando em um verso que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo.
Ele está cá dentro e não quer sair.
Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira

23 outubro 2006

Laranja...


Energia, fogo, mudança... intensidade (independentemente do seu sentido).

Ser poeta (Florbela Espanca)

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Que importa?... (Florbela Espanca)


Eu era a desdenhosa, a indiferente,
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violência de paixão,
Como bate no peito à outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de desejo ou de emoção,
Enquanto as asas loiras da ilusão
Abrem dentro de mim ao sol nascente.

Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte,
Toda ela é riso e é frescura e graça!

Nela refresca a boca um só instante...
Que importa?... Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes... quando passa?...

Os versos que te fiz (Florbela Espanca)

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolencia de veludo caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz.

22 outubro 2006

Morre lentamente (Pablo Neruda)


Morre lentamente, quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente, quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente, quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor, ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente, quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente, quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente, quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece, ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar.

Sim, já sei... [Fernando Pessoa - Poesias Inéditas (1930-1935)]

Sim, já sei...
Há uma lei
Que manda que no sentir
Haja um seguir
Uma certa estrada
Que leva a nada.

Bem sei.
É aquela
Que dizem bela
E definida
Os que na vida
Não querem nada
De qualquer estrada.

Vou no caminho
Que é meu vizinho
Porque não sou
Quem aqui estou.Postado por Vera em 1:28 AM

12 outubro 2006

"Era uma vez"

Engraçado pensar na enormidade de formas com que se pode utilizar a expressão "Era Uma Vez"...

  • Para, quando se porta mal, dizer à Carlota: "Era uma vez a prenda que te trouxe!".
  • Para contar aos mais pequenitos as histórias que interminavelmente nos pedem para repetir.
  • Para ganharmos tempo quando a imaginação teima em não vir e nos pedem uma história nova.

Ou simplesmente uma forma de contarmos a nossa história, de com ela brincarmos ou de a construir e reconstruir continuamente no mundo das palavras. No bom sentido claro! Como diria alguém que conheço e subscrevo: Sonho, não ilusão.

Um bom suporte ao jogos de palavras, não necessariamente com os mais pequenos.

Há algum tempo que não o fazia. Tinha-me esquecido, por momentos, de como é divertido fazê-lo...

Mas fi-lo hoje novamente.

Com alguém de quem muito gosto. Com alguém que foi muito importante. Com alguém com que muito aprendi.

Com Quem de facto aprendi há muito tempo, sem ter disso consciência, o jogo das palavras.

25 setembro 2006

Livros gratuitos Online

Imagine um lugar onde pudesse ler gratuitamente todas as obras do Machado de Assis, obras como a "A Divina Comédia", ou ter acesso a historinhas infantis.

Um lugar que lhe mostrasse as grandes pinturas de Leonardo daVinci, ou onde pudesse ouvir gratuitamente uma música em MP3 de alta qualidade.

Pois o Ministério da Educação do Brasil disponibiliza tudo isso. Basta aceder ao site: www.dominiopublico.gov.br

Só de Literatura em língua portuguesa estão disponíveis 732 obras e estão a pensar encerrar o projecto por desuso, já que o nível de acesso é muito pequeno!

Aceda e divulgue para que esta excelente iniciativa não pare e continue a crescer.

Confidência (Mia Couto)


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

24 setembro 2006

Poema da Despedida (Mia Couto)


Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo

Estás Bem?!?!

A pergunta surge, não sei muito bem vinda de onde... Ou melhor, saber até sei... Percebê-la... até percebo, embora seja para mim tarefa um pouco dificil compreendê-la.

Surge do facto de escrever algo a alguém que só daqui por uns anos terá a capacidade de compreender o que lhe escrevi: A Marta (hoje com 7 meses e 1 dia)!

Mas porque será que tal é percepcionado como um facto assim tão estranho? Porquê não contar à Marta o que hoje somos, o que sentimos, e o que ela nos faz sentir?!?!

Faz hoje exactamente 7 meses que a vi pela primeira vez... E desse primeiro encontro retive todos os pormenores.

Detalhes de que nunca se irá recordar a não ser pela memória dos outros. É este o motivo pelo qual escrevo à Marta.

Enquanto não pode fazê-lo ela própria, porque não escrevermos nós o "seu primeiro diário"?

Uma forma engraçada de nos relembrarmos também dos momentos únicos que dizem as mamãs: "nunca me irei esquecer"; e que eventualmente ficarão, por sorte, registados nos famosos "Livros do Bebé".

A minha primeira conversa com a Marta foi intensa. Fui "tia de verdade" pela primeira vez (tal como diria a Carlota - a minha sobrinha emprestada de 5 anos); mas foi também muito divertida.

Falámos ...

  • de democracia: "É melhor a menina aprender desde já que lá em casa quem manda são as mulheres". É essencial ensiná-los bem desde que chegam a este mundo!
  • de beleza. Ela era linda! Com ar de mexicanita. Ou como continua a dizer a Carlota num tom muito ternurento: "Ela é linda! Tem cara de ratita!"
  • de estética... Sim porque apesar de linda, quando cá chegou, a Marta tinha umas unhas já crescidotas: "Não Marta, a menina ainda não tem idade para unhas de gel! Quando for maior, então sim, a tia leva-a à Dulce."
  • ainda sobre beleza... sobre a beleza interior. Sobre a beleza do que nos conseguiu a todos fazer sentir. Da frescura que trouxe a todas as nossas vidas. Dos sentimentos que julgamos sempre já ter vivido, mas que nos surgem sempre como uma novidade avassaladora.

De lá para cá, muitas têm sido as conversas que temos tido. Umas mais "profundas" do que outras, mas todas elas únicas...

Mais que tudo, o que vamos, entrelinhas, ensinado à Marta, esperando que de facto profundamente se enraíze... é a arte do dar e receber.

Num contexto completamente distinto, não tão cor-de-rosa como o da Marta, dizia uma criança ter encontrado "no dar aos outros" a sua fonte de alegria e de felicidade. Ao que alguém lhe respondia que "Há muita gente que nunca descobre essa verdade."

Espero que a Marta a descubra um dia!

23 setembro 2006

A Adivinha (Mia Couto)

Tudo é um jogo, brincriável. Há o bomem, isso é facto. Custa é haver o humano. A vida descostura, o homem passa a linha, a corrigir os panos do tempo. Mimirosa, a menina, nada sabia desses acertos. Acreditava ser tudo simples como o molhado e água, poeira e chão. E assim, tudo em tamanho não aparado: os senhores em infância, as coisas sem consequência.

Seus pais se preocupavam. Passava a idade e Mimirosa demorava a aprender o regime da realidade. Que há deveres, e as contas do ter e do haver. E o ser é apenas o que resta. Noves fora, novos de fora.

Quem estragava esse madurecimento da miúda era sua avó, Ermelinda. A senhora se convertera em parceira de infância, ancorada em irresponsabilidade. Em meia palavra: era companhia de se evitar. Os pais de Mimirosa assim julgavam. A menina devia era evitar os risos, disciplinar arrebatamentos. A escola, em primeiro lugar. A avó, sabia-se, desprezava a escola. Que se aprende mais é fora dela, no calor da família, em redondezas de carinho. Mimirosa estava, por isso, proibida de frequentar a companhia de Ermelinda. Não queriam nem que fosse vista junto, perto do caminho da avó. A menina era conduzida, de mão acompanhada, até às imediações escolares, onde já não poderia desviar a direcção. Imaginava-se. Porque ela, mal se soltava das vistas, se internava no atalhozito que dava na casa da avó. Ali gazetava dos deveres, entretida nos nenhuns afazeres da velha senhora. Conforme os olhos distraídos da velha ela ajudava, rectificando um aqui no além ela. Até que, inevitável, chegava o jogo da adivinhação.

- Qual é um rio que não tem senão uma margem?

- Isso é coisa que não pode, avó! E do outro lado fica o quê?

- Pense, se ensine. Já sabe que o prémio que há-de haver...

Prémio que haveria era só o serem as duas, ali, no escondido. A velha deixava o mistério durar, pairada, parada. A pergunta labirintava na cabeça de Mimirosa. Podia um rio assim? Ou já se viu a estrada correr sem o amparo de duas ambas bermas?

- Mas há o prémio de verdade?

- Se você‚ adivinhar esse mistério, o mundo vai ficar tão admirado que até o tempo há-de parar.

- Jure, avozinha?, berlindavam-se os olhos dela.

E voltavam às lides, sem obrigação de nada. O jardim da casa parecia obra de inventar. Uma só arbustozinho nele cabia.

- Vês a sombra? Essa sombra é pequena. Mas existe uma sombra que é da terra toda inteira.

Voltada a casa, a menina era inquirida pelos pais, perguntas sem mistério, coisas de calcular o futuro: quando fores grande já escolheste o que vais ser? Simplesmente, ela não sabia querer ser grande. E, assim, sua ausência na resposta.

- Ela vai ser doutora hospitalar, vaticinava a mãe.

- Ou dessas que faz as contas e faz crescer dinheiro, preferia o pai.

- Tudo serás filha, mas não queremos que sejas como nós.

A menina se admirava: aqueles não gostavam de si mesmos? Por que razão eles queriam que ela lhes fosse diferente? Só a avó gostava de ser como era, cuidadosamente desarrumadinha. Como deviam ser infelizes, aqueles dois, seus pais.

Até que, uma tarde, veio o alvoroço. A velha Ermelinda se sentira mal, o peito dela se amarrotara. Mimirosa, nesses dias, deixou a escola. Mas não a deixaram entrar na velha casinha. A senhora não reconhecia ninguém, ela se convertera em fundo escuro. Nenhuma luz a trazia à superfície de si mesma. E, assim, somaram-se os dias. Mimirosa, obrigada e vigiada, voltou escola. A sombra do morcego se desenha no tecto? Pois o pensamento da neta n o saía do mesmo assunto: saudade de sua avó.

Um dia, enquanto seu olhar fingia percorrer o caderninho, a menina suspulou da carteira e se flechou porta afora. Escapou da escola e correu pelos campos. Ninguém a viu penetrar na penumbra da casa, ninguém suspeitava que se anichara, ofegante, na cabeceira da moribunda avó.

- Avó, sei a adivinha!

No rosto da senhora nenhum sinal, nem uma ruga se alterou. Parecia que Ermelinda já cruzara aquele risco feito na água, fronteira entre a vida e a morte.

- Lembra a adivinha, vó? Aquela do rio de um lado só?

E os olhos da menina se atabalhoaram de água, sentida sozinha no grande mundo. A mão dela ainda arriscou tocar no braço da avó. Mas teve medo. E se cborou! O caderninho órfão, em suas mãos, sofria a catarata das lágrimas. Até que os braços do pai a puxaram. Primeiro ela cedeu. Mas depois esgueirou-se, por um instante, e depositou o caderninho escolar no leito da água. Estava aberto numa figurinha do oceano, mais suas criaturas profundas. E a voz da menina tombada com um derradeiro lenço:

- É o mar, avó. Esse cujo rio; é o mar.

Já se retiravam daquele luto, todos mais Mimirosa quando os dedos da avó tactearam o ar e, cegos, chegaram até no caderno. Depois, acariciaram o azul da imagem. E caderno começou a pingar, como se o papel não mais contivesse aquela água.

22 setembro 2006

Litte Eyes See a Lot


When you thought I wasn't looking...

... I saw you hang my first painting on the refrigerator, and I immediately wanted to paint another one.

... I saw you feed a stray cat, and I learned that it was good to be kind to animals.

... I saw you make my favorite cake for me and I learned that the little things can be the special things in life.

... I heard you say a prayer, and I knew there is a God I could always talk to and I learned to trust in God.
... I saw you make a meal and take it to a friend who was sick, and I learned that we all have to help take care of each other.

... I saw you give of your time and money to help people who had nothing and I learned that those who have something should give to those who don't.

... I saw you take care of our house and everyone in it and I learned we have to take care of what we are given.

... I saw how you handled your responsibilities, even when you didn't feel good and I learned that I would have to be responsible when I grow up.

... I saw tears come from your eyes and I learned that sometimes things hurt, but it's all right to cry.

... I saw that you cared and I wanted to be everything that I could be.

I learned most of life's lessons that I need to know to be a good and productive person when I grow up.

I looked at you and wanted to say, "Thanks for all the things I saw when you thought I wasn't looking."

(Written by a former child)

21 setembro 2006

Kit SOS: Speed Before Dating


Ouvi por estes dias dizer,
Que hoje alguém de parabéns está...
E que muitas unhas se iam roer,
Na famosa ânsia do: "Ces cadeaux sont pour moi!?!"

Vá-se lá saber de quem se trata!
Falaram-me de uma menina namoradeira.
Muito simpática, linda e cordata....
Mas com a fama de ser um bocadinho interesseira
Quando de prendas receber se trata.

Talvez não seja grande o mal, cheguei eu à conclusão...
Afinal conheço a miúda:
Gente pequena que quer ser graúda,
Mas de grande coração.

Para evitar que fosse o mesmo sofrer demasiado,
E a menina tornar-se numa lenda,
Houve que pensar numa solução.
E em dia de aniversário: que prenda?
Uma bola? Um bolo? Porque não?

Não... Isso era mais a "onda" irmã!
Mas depois de muito pensar,
Decidi-me por um talismã!

Parabéns Maria!

19 julho 2006

Sabores do Mundo

«Cozinhar não é serviço, meu neto», disse ela. «Cozinhar é um modo de amar os outros»
(Mia Couto, in O Fio das Missangas)

Para quem gosta de cozinhar e de bem comer.... espreitem...

http:://www.acime.gov.pt/saboresdomundo/livro.html
"Só há muito pouco tempo aprendi a etimologia da palavra portuguesa comer: vem do latim, "cum" = "com" + "edere" = comer. Quer isto dizer e é bem significativo que comer é comer - com!... O quê? Com quem? (...) A vida não é só comer e beber; mas grande parte desta passa-se à volta da mesa, à mesa se inicia e à mesa se festeja e celebra."
(Pe. António Vaz Pinto, s.j. O Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas)

08 julho 2006

Sempre gostei das palavras...


Já lá vai o tempo em que cumpria escrupulosamente a tarefa de escrever um diário... Tempos idos...

O que é que me faz escrever hoje em dia?!? Os momentos mais intensos do dia-a-dia – seria esta a resposta mais próxima da realidade. Mas na verdade, dos mais intensos, os mais tristes são os que me atraem para a caneta e papel. Esses de facto são demasiado íntimos, e não sei muito bem se me apetece partilhá-los. Mas existem outros ...

Como dizia as palavras são para mim de grande valor, daí que não existem melhores ofertas que livros. Adoro recebê-los e oferecê-los. E há uma coisa que não deixo nunca de fazer quando os ofereço: escrever. Que para além de ser sempre um prazer, na maioria das vezes é uma tarefa bastante divertida!

Aqui ficam alguns desses textos (e parafraseando Alfarroba num dos blogs mais divertidos que conheço: http://gang-das-biclas.blogspot.com/ ) para quem aqui conseguiu chegar (pensamento optimista – 0,0001%)!

06 julho 2006

As Palavras dos Outros...


Comecei por construir este blog por brincadeira. Não foi de todo uma coisa pensada. Surgiu de uma brincadeira com uma amiguinha que começava a aventurar-se por este mundo da net.
E sem saber muito bem o que com ele fazer fui reunindo alguns textos que, por um motivo ou por outro, me dizem algo. Que no fundo acabam um por definir um pouco do que gosto, com o que me identifico. Ou seja, quem, em parte, sou.
Porquê utilizar palavras de terceiros? Por vezes é mais fácil deste modo definirmo-nos sem necessariamente nos expormos.
Mas em resposta a uma situação semelhante, alguém hoje me perguntava a propósito da minha citação preferida publicada noutra página: "Bastante inspirador, o teu texto do Miguel Torga... Já te serviu de inspiração?"
Fazem-nos estas perguntas pensar, apesar de confortável, no quanto pode ser ilusória a utilização das palavras dos outros. Quem me colocava a questão referia-se a uma citação de Torga que reza o seguinte:

"Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descances, de nenhum fruto queiras só metade."

Não o fizemos já todos nós? Ou pelo menos não tentámos fazê-lo?

Só quem vive na ilusão de viver num mundo perfeito não teve essa necessidade; não teve, nalgum ponto da sua vida, de recomeçar.

Não acredito na ilusão, mas acredito profundamente no sonho.

(In)felizmente os percalços da vida vão-nos ensinando a dar-nos valor. E foi com alguns desses que fui aprendendo que todos nós não valendo mais que os outros (até porque vivo na convicção - minha - de que sem os outros nada somos); valemos pelo menos tanto como os outros.

"De nenhum fruto queiras só metade"

Viver a vida desta forma é uma opção. Opção que permitindo-nos viver as maiores das alegrias, os maiores dos prazeres nos poderá igualmente presentear com as mais profundas dores. Não tendo a certeza de que esta é a Melhor forma de a viver (até porque por vezes vivemos com demasiada intensidade situações que mais tarde concluímos não valerem a pena); é a aquela que escolhi para viver a minha.
Po

06 junho 2006

À minha Mãe


Em total concordância com a nossa querida Marta, quando dizia:

“Mas sabias, papá, que o dia do pai comemorar,
É um bocadinho como o Natal?
Cabe-nos a nós lembrar,
De todos os dias fazer um especial!”

E não fosse a nossa macaquita uma miúda fenomenal...:

“Venho agora eu também dizer
Que sei que tenho a melhor mãe do mundo!
De quem muito gosto e com quem muito tenho para aprender,
Dizendo-o do coração! Lá do fundo!”


Não querendo à minha amada sobrinha,
As suas palavras usurpar,
A melhor não é a dela! É a minha!
A mãe, a mulher que nasci para amar!

A uma mulher linda, mãe maravilhosa,
Não significando por isso, uma relação, por vezes, menos tortuosa...
Gostaria eu de conseguir em poucas palavras dizer,
Tudo o que de bom me fez, me disse (ou não) para me ajudar a crescer.

E como nas nossas vidas crescer é um verbo constante,
E depois de tantos percalços,
Aprendi, também contigo, a valorizar cada instante,
Prezando sempre o que nos une: não os nós, mas sim os laços!

Contando ter-te por perto
Por muitas mais primaveras,
Aqui fica um enorme beijo, um abraço, um aperto,
Para te dizer o que sinto deveras!

Parabéns!

A Cozinha com a Wok – Cozinha para não engordar


Não que te esteja a chamar gorda...
Não faz de todo parte das minhas ideias!
São apenas umas sugestões para poder andar na moda,
Até porque vestir 36... só sem fritos, gorduras e geleias!

Como agora demos numa de cozinha saudável,
Por vezes, cozinham-se umas coisas insípidas.
Mas ouvi dizer que cozinhar na wok é agradável,
E que se fazem umas coisas diferentes, evitando as repetidas!

01 junho 2006

Ao Gui


Para um menino que muito se tem esforçado,
Para bem todas as letras juntar,
Vamos lá ver se deu mesmo resultado
E se com este livro se vai deliciar!

Como tu és um traquinas, por vezes um pouco “maluquinho”,
Mas também um rapaz cheio de graça,
Aqui te fica El-Rei Tadinho,
O Rei que quase tudo o que faz é uma desgraça!

E olha que sorte!?! Estava lá a Alice!
E eis aqui a prova de aço
Não fosse que alguém se risse,
Quando lhe dissesses que ela te mandou um abraço!

Cozinha essencial


Para uma criança grande,
Que quase sempre é uma grande criança,
Uma prenda que me disse um duende,
Para além de desejada, me vai encher a pança.

Sim, porque agora não temos desculpas,
Para evitar deliciosos repastos preparar!
Temos receitas de tudo! Até de sopas!
Ai que grandes iguarias vamos saborear...

Como para além de todos termos sido crianças um dia,
Por isso termos de continuar a fazer,
Pergunto-te agora eu: então e o pai, o tio, as primas, a tia...?
Onde estão as prendas? Aquelas que nos dariam tanto prazer?

Oh Tia... Um Livro das Sopas? Porquê?

Vamos lá então a saber.
Sabes Marta que pela tua elegância,
Ninguém diria que foi com muita relutância,
Que as sopas começaste a comer.

"Oh Tia, que conversa tão complicada!
Eu mal falo, quanto mais perceber...
Parece-me uma grande trapalhada,
Tudo que me estás a dizer!"

A Tia um bocadinho melhor vai tentar explicar.
Mas isto de ser grande é complicado...
Às vezes parece que não sabemos falar!

Quando eras pequenina a sopa não querias comer
E isso não podia ser,
porque tinhas de crescer!

Mas sabes Marta, o Sr. da Bata Branca foi muito teu amigo.
Disse à mamã para não se zangar contigo!
E depois de uns dias só a papas e da sopa adocicada,
Passaste a ser sempre uma menina muito bem comportada.

Mas sabes Marta,
Os meninos têm manhas!
Tantas que às vezes até farta!
E arranjam muitas artimanhas,
Daquelas que dão às mamãs dores de cabeça tamanhas!

Não fosses tu ter uma ideia tresloucada um dia
E pensar em a sopa não comer,
Vi esta história com que, achou a Tia,
Muito podes aprender!

Vais ver que é divertida!
E que a Marta da história, apesar das artimanhas,
é uma menina muito querida!

De tudo, o mais importante
É que uma coisa aprendeu a outra Marta:
A manha pode ser gigante,
Mas de descobrir coisas novas e de a sopa sempre comer
Nunca mais ela ficou farta!

Sabes quem é o Chico Martuxa?!?!
É aquele que te vai ajudar a ficar gorduxa!

Beijocas da Tia Vera

23 maio 2006

Beijo (Cristina Miranda)


O vento Estendeu os braços
Deixou-os cair
Em abraços
Chegou a mim
E abrindo as mãos
Pediu que lhe fizesse um afago

Pousei-lhe um beijo
Nas palmas das mãos
E ele
Exalando frescura
Fechou os olhos
E mesmo sabendo
Que nunca seria dele
O beijo que então pousei
Por ser tão doce
Encostou-o à face

Hoje apreciei aromas suaves!

Um vento encantou-se
Com um beijo que dei
Que pousei nas mãos
Que eu queria
Que desejara
Não serem dele

Do vento...

20 maio 2006

14 maio 2006

Kaguya Hime - A Princesa da Lua

(Acrílico sobre tela - José Lourenço 2002)

UM CASAL DE VELHINHOS morava bem ao fundo de um bambuzal... Eles não tinham filhos e viviam modestamente fazendo cestos e caixotes de taquara. Certo dia, quando o velhinho cortava bambus, viu que um deles brilhava muito pela raiz. "Mas o que será isso?" Curioso, o velhinho cortou o bambu com o machado. Dentro do bambu, uma linda menininha! Ela era tão pequenina que cabia na palma da mão. O velhinho levou a menina para casa e mostrou para a mulher: "Foi Deus quem nos enviou!" A velhinha também ficou muito feliz e disse:

- Vamos chamá-la de Kaguya Hime!

Depois desse dia, o velhinho começou a encontrar outros bambus brilhando. E, de dentro, saíam muitas moedas de ouro. Só havia uma explicação: era a menina quem lhes trazia tanta sorte.

Kaguya Hime cresceu rápido. Depois de três meses, ela se transformou em uma bela moça, tão bela quanto um raio de luar. Logo a beleza da jovem começou a ser comentada pela região. Muitas pessoas vinham só para vê-la e formava-se uma longa fila em frente a casa. Pretendentes também não paravam de chegar: alguns vinham de muito longe, outros eram pessoas importantes. Mas ela... Ela não queria se casar com ninguém!

No entanto, cinco dos pretendentes vinham todos os dias, sempre com pedidos de casamento. Kaguya Hime então disse "Se algum de vocês conseguir trazer os objetos que eu pedir, então me casarei com essa pessoa: um vaso de pedra dos deuses que nunca se quebra, o galho de uma árvore de pedras vermelhas, um manto de pele de animal que não se queima no fogo." Os objetos que Kaguya Hime pediu eram todos impossíveis de serem conseguidos. Os pretendentes tentaram falsificá-los, mas todos foram desmascarados.

Um dia, o próprio príncipe chegou à casa de Kaguya Hime: - Sua beleza é ainda maior que sua fama. - e ele pediu - Gostaria muito que se casasse comigo.

Mas a moça respondeu: "Eu não posso me casar com ninguém." O príncipe respeitando a sua vontade, voltou triste para o seu palácio.

As cores do Outono tingia o céu... Kaguya Hime começou a olhar para a lua, com grande tristeza... uma tristeza que ia aumentando a cada dia. Os pais ficaram muito preocupados e, então, perguntaram:

- Por que você fica olhando a lua, assim tão triste?

- Estou triste porque logo preciso ir embora. Na verdade vim de muito longe. Sou uma princesa do reino da lua e, na próxima cheia, virão me buscar.

Os velhinhos ficaram muito assustados: como se separar de uma filha tão querida?

Chegou a temida noite de lua cheia. Os velhinhos pediram ajuda ao príncipe que enviou um batalhão de mil homens para impedir que alguém se aproximasse da casa. A princesa foi levada para o quarto dos fundos e os velhinhos aguardaram ao lado da jovem.

De repente, a lua começou a brilhar, brilhar, brilhar cada vez mais forte. "Preparem os arcos!" - gritou o chefe da Guarda! Cegos com a luz da lua, ninguém pôde ver a chuva de pétalas que caía, nem a grande comitiva que descia, montada em nuvens, trazendo uma carruagem dourada... Quando todos puderam abrir os olhos, a comitiva já ia alta, levando embora a princesa.

CONTAM AINDA que Kaguya Hime deixou para os pais uma poção mágica de vida eterna. Mas sem a filha querida, os velhinhos não quiseram viver eternamente. Então, queimaram a poção na montanha mais alta e, até hoje, um fio de fumaça bem branquinha continua subindo ao céu, ou talvez, até a lua... essa montanha é o Monte Fuji.

13 maio 2006

Os Nós e os Laços

Não fosse a vida feita de retalhos, de nada serviriam nós e laços.
De entre os que se atam e desatam, há que evitar os cegos... Ou não... Resta-nos sempre o livre arbritrio, o direito à opção.

Mas como uma das melhores formas de pensar o mundo em que vivemos é tentar vê-lo através dos olhos dos outros, aqui te deixamos um livro que da vida é uma boa interpretação.

Um livro, tal como a vida, relepto de intensidade, complexidade, dor e prazer...




Votos de uma boa leitura!

08 abril 2006

A um menino misterioso



A um menino misterioso
Cujo silêncio o torna muito charmoso,
Achei que lhe devia vir dizer que,
Para além da mãe às vezes lhe roubar,
Eu também gosto muito de dar!

Parecido com o que dizia o Pessoa:
Meio olhar basta, para bom observador!
A Zita às vezes é chata e “robona”, mas é boa!
E o Luís sobre tudo gosta de ser bom conhecedor!

Mas de entre tudo o que gosta de saber,
Parece-me que a ciência é uma das suas paixões!
E eis que, depois de muito pensar e percorrer,
Encontrei um livro sobre tempestades, tufões e furacões!

Esperando que gostes da leitura,
Resta-me desejar-te uma boa aventura!

04 abril 2006

A Criança que pensa em fadas (Alberto Caeiro)


A Criança que pensa em fadas e acredita em fadas
Age como um deus doente, mas um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

03 abril 2006

Ser Feliz (Fernando Pessoa)



Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá é falência.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que seja injusta.
Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo.

02 abril 2006

Quando eu morrer... (Sophia de Mello Breyner)


Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

http://www.coute.blogger.com.br/

31 março 2006

Ausência (Sophia de Mello Breyner)


Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

30 março 2006

DESEJOS (Carlos Drummond de Andrade )


Desejo a vocês...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crónica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Musica de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-sol na roca
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho brancoBolero de Ravel
E muito carinho meu.

29 março 2006

Perguntas à Língua Portuguesa (Mia Couto)


Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.

A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou.
Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica. Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:
  • Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
  • No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?
  • A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
  • O mato desconhecido é que é o anonimato?
  • O pequeno viaduto é um abreviaduto?
  • Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.
  • Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?
  • Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?
  • Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?
  • O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?
  • Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?
  • Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?
  • Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
  • Mulher desdentada pode usar fio dental?
  • A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
  • As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?
  • Um tufão pequeno: um tufinho?
  • O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
  • Em águas doces alguém se pode salpicar?
  • Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?
  • Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
  • Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
  • Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português – o nosso português – na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas – o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente