08 junho 2021

A propósito de metáforas (1)


Já não escrevia há tanto tempo... E foi tão giro e gratificante voltar a brincar com as palavras!

 
Ela era uma miúda gira. Discreta. Calada. Raramente se expunha. Raramente partilhava.
 
O sorriso tímido que, por vezes, despontava no seu rosto como reação a qualquer coisa que a emocionava ou divertia, fazia antever um mundo que quase todos desconheciam e que, embora interdito, ansiavam por desvendar.
 
Era um mundo por vezes estranho. Um mundo que alternava entre uma luz muito própria, positiva e intensa, e um turbilhão de emoções, dúvidas, dores que ela guardava apenas para si, e que teimosamente não desvaneciam – tal qual erva daninha que invade um jardim e tudo o que o circunda.
 
Essa miúda vivia numa casa sem espelhos.
 
A imagem que tinha de si própria era apenas aquela que foi construindo com o passar dos anos. O que se dizia a si mesma é que era mais uma miúda igual a tantas outras. O que ela aprendeu através dos outros é que nem sempre é bom sermos diferentes. Talvez por isso se resguardasse…
 
Certo dia, em passeio com a irmã, descobriu uma casa repleta de espelhos. Nenhuma das duas meninas tinha alguma vez visto a sua própria imagem refletida.
 
Cada um dos espelhos, que forravam integralmente as paredes daquela casa, funcionava com distorção.
 
A miúda ficou espantada com a quantidade de gente que habitava aquela casa... O estranho é que todas aquelas pessoas a olhavam diretamente nos olhos e eram curiosamente parecidas entre si.
 
Sorriu a uma miúda que lhe pareceu simpática.
 
Gritou a uma miúda com quem se assustou de tão grande e grotesca que era.
 
Chorou de susto de uma miúda muito feia, tal qual bruxa dos contos de horror dos livros de histórias.
 
Riu, como se não houvesse amanhã, com uma outra que tinha um ar cómico e divertido…
 
Eram tantas as emoções que a assaltavam que tudo aquilo parecia um sonho bizarro do qual queria acordar.
 
E acordou! Acordou para um sonho ainda mais bizarro, quando choca, costas com costas, com a sua irmã e, de repente, o número de pessoas que habitava aquela casa duplicou… e explodiram as duas num riso nervoso, misturado com lágrimas de susto e um desconfortável conforto de terem ali alguém que conheciam e de quem gostavam.
 
Sentaram-se no chão e com calma observaram o que as rodeava. Todas aquelas miúdas estavam vestidas como elas. E, de súbito, reconheceram as mil e uma versões de si próprias… As mil e uma versões da outra…
 
De súbito, reconheceram, a par das suas diferenças, as suas proximidades…
 
Os seus medos, as suas angústias, as suas dores, tendo certamente origens distintas, eram, afinal, emoções que lhes eram comuns.
 
Os seus jardins, agora cuidados a quatro mãos, estavam mais bonitos. E as ervas que os contaminavam deixaram de crescer e de se disseminar entre si com o mesmo fulgor.”


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