30 novembro 2006

As palavras (Eugénio de Andrade)

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

08 novembro 2006

Coisas da Carlota... Ainda sobre a cor da pele...


A escolha de nomes é coisa dificil. Muitos surgiram, uns por gosto outros por brincadeira, antes de finalmente optarem por Martim.

De entre todos os que surgiram Obikwelu foi de facto o que gerou maior controvérsia e confusão na cabeça da Carlota...

E passados 10 meses da chegada do Martim eis que a questão surge de novo: Será que o batizaram mal?!?!

Obikwelu não mamã!
Esse nome eu destesto!

E de resto,
E devo ser eu a escolher, porque sou eu a irmã!

Aos primeiros passos do Martim, diz então a mamã à Carlota:
Deviamos ter-lhe chamado Obikwelu!
Para além de ser janota,
Já viste como quase que corre?!?
Quase que nos foge!
Ainda consegues vê-lo?


Mas a Carlota como sempre, para tudo arranja resposta!
Para além do nome não gostar,
Mais um problema a mamã lhe teria vindo arranjar:
E eis que a cor da pele lhe veio recordar.

Ainda bem que não lhe chamámos Obikwelu mamã... senão tinha nascido preto!

Coisas da Carlota... A Cor da Pele...

É por vezes dificil explicar algumas coisas aos mais pequenos. E de facto há coisas de que nunca se esquecem. Comentários aqui e ali, inofensivos na sua maioria, mas de que se apropriam de forma inesperadamente engraçada.

Igualmente engraçadas, mesmo sem qualquer tipo de comentário que as subjazam, são as interpretações de factos pelos mais pequenos.

Conseguem deveras deixar-nos... de tantas formas, mas a que de mais gosto: deliciados. E a propósito de cor de pele...

Dizia à Carlota a mamã,
(Ainda em fase de barriga tamanha):
Com tanto sol, não vai sair à irmã!
Vais ver Carlota que ainda vem de cor castanha!


Não Fosse a nossa Carlota menina inteligente e prespicaz,
A seu tempo, lá surge o comentário:
Vê lá que sorte mamã! Afinal não veio preto o rapaz!

04 novembro 2006

Persistência...


PERSISTÊNCIA: palavra de que sempre gostei.

Em relação a quê? Também já me perguntei... Muito provavelmente em relação a muito que não devia... Mas pronto isso são outros 500s!

Mas de uma coisa não me canso... De te tentar convencer de que LER É DIVERTIDO!

Como melhor prenda não há (digo eu!), e para que não digas que os livros são coisas chatas, achei por bem procurar um que reunisse algumas das coisas que mais gosto de encontrar num livro:

  • informação: e esta pode ser preciosa...
  • sentido de humor: mesmo que a informação nele contida não seja de grande relevância... (não tenho essa presunção) é por certo suficiente para soltar uma boa gargalhada!

Será que é desta que te consigo converter à leitura?

Um enorme beijo de parabéns!

03 novembro 2006

Desalento (Vinicius de Moraes - 1970)


Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim


Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar


Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos

Quando Eu Era Pequenino... (Adolfo Simões Muller)


Quando eu era pequenino,
gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.

Havia então lá em casa
uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
- e que graça que ela tinha!

Lendas de reis e de fadas,
inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!

“Era uma vez...” As histórias
começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.

Lembro-me ainda tão bem!
Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:

“Era uma vez...” E depois,
olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios”.

“Era uma vez...” E, por fim,
a voz da Sérgia parava...
E assim como eu te contei
era como ela contava.

Ai! que saudade, que pena,
que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - “Era uma vez...”

Sonho... (Welington)


O bom da infância é o sonho de poder sonhar, pegar um livrinho cheio de aventuras e viajar com os personagens pelo universo encantado da imaginação.

As Aventuras de Pinóquio: História de um Boneco

Redescobri Pinóquio...

No original, um personagem bastante distante daquele a que nos habituou a versão Cor-de-Rosa da Disney, mas nem por isso menos divertido.

Sabiam que Pinóquio não ganha vida por encantamento da fada?

Sabiam que o bloco de madeira a partir do qual foi feito, foi oferecido a Gepeto por um marceneiro seu amigo exactamente porque era estranho, porque gemia, chorava e ria enquanto o dito do marceneiro tentava fazer dele uma peça de mobiliário?

Uma boa leitura para pequenos e graúdos. Uma boa leitura para se fazer aos/com os mais pequenos no ritual do "ler uma história antes de ir para a cama", até porque a história é originalmente escrita em "fascículos".

Este albúm reúne a universal obra de Carlo Collodi, numa nova tradução a partir das suas mais recentes edições críticas, e a série de pinturas que a consagrada artista plástica Paula Rego dedicou ao personagem Pinóquio. Este volume conta igualmente com um posfácio de Italo Calvino e textos da escritora italiana Romana Petri sobre as pinturas de Paula Rego.

Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois (Artur da Távola)

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. É o mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediando a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjetivo para o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo. Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por. Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar. Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidade vividas.

Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais a expressão do outro sob a forma ampliada do eu individual aprimorado.

02 novembro 2006